Uma visão destas cartas através da lente astrológica
Rose Villanova
Clube do Taro
Sempre associei O Louco à imagem do nascimento, as razões eu explico mais abaixo.
A Força, por sua vez, eu a entendia como o domínio das paixões ou instintos mais primitivos ou até mesmo dos vícios, mas sempre tive algum tipo de desconforto entre a imagem e o significado, assim como com as analogias com astros e signos. Por isso, resolvi me dedicar longa e profundamente a entender o que exatamente esta carta queria dizer.
Poderia ficar aqui descrevendo todo o processo, mas seria enfadonho. Posso e devo dizer é que, em um dado momento, uma visão muito diferente da que eu perseguia começou a surgir, eu mesma fui me surpreendendo com o que ia percebendo. Fui mais fundo ainda e... O resultado, agora compartilho com vocês...
O Louco
O principio e o fim. A chegada e a partida. O ingresso em uma nova vida com a respectiva inconsciência e ingenuidade própria da criança que ainda não tem nenhuma impressão do mundo. É a viagem que encaramos de peito aberto.
Como início (ou fim) de jornada e pela ingenuidade da figura, relaciono O Louco ao Ascendente na astrologia. O Ascendente é o grau onde o mapa astrológico inicia e é determinado pelo momento exato do nascimento. Corresponde por analogia ao grau Zero de Áries.
Sabemos que o nascimento não é uma escolha, mas uma imposição da natureza quando o feto está pronto biologicamente para deixar o ventre da mãe e iniciar uma vida independente. A partir de agora, quando a criança tiver fome, frio, sono e outros desconfortos terá por si própria que dar o sinal à mãe. A partir de agora o ser recém-nascido vai lutar pela sua vida e sobrevivência.
Nascer é morrer para a condição de feto e ser feto é morrer para a condição de alma desencarnada. Nascer é morrer. Marte, significador essencial do Ascendente, rege Áries e Escorpião signos de nascimento e morte, respectivamente.
Assim entendo o significado desta lâmina, que mostra um rapazote com uma trouxa nas costas indo em direção a um precipício tendo atrás de si um animal que o ataca. O Louco caminha em direção ao precipício e olha para trás na esperança de que o animal pare de atacá-lo e ele então possa escolher que rumo tomar; o que não acontece. O jeito é seguir em frente, saltar para o precipício e lutar pela sobrevivência.
A palavra precipício quer dizer "cair de cabeça para baixo", exatamente como nascemos, pela cabeça, que está voltada para baixo na posição fetal que precede ao nascimento.
Nesta nova jornada, o Louco nascendo em um determinado momento e espaço vai fazê-lo sob certa configuração astrológica, o seu mapa astral, e é ele que vai indicar simbólicamente, o caminho a seguir. Afinal, é um mapa...
Nada foi vivido, nenhuma impressão colhida, por isso a motivação desta carta é para a experimentação. Tudo pode acontecer, é apenas o começo da jornada. A imaturidade é total.
O Louco é o Caos, a infinita possibilidade que se apresenta antes da criação. São todos os sons e ritmos de que o músico dispõe para compor uma melodia, todas as palavras que o poeta tem para dizer o que sente, todas as cores e formas que o pintor pode usar para cobrir sua tela. Enfim é a totalidade das possibilidades e a confusão e angústia que experimentamos antes de nos lançar em qualquer empreendi-mento. Há tudo para dar certo e tudo para dar errado.
O Louco traz às costa uma trouxa, simbolizando a bagagem que trazemos quando chegamos ao mundo. Esta bagagem se constitui de nosso destino e talentos; o ferramental de que dispomos para ser desenvolvido e doado ao mundo. A missão de cada um. Aquilo que Platão conta sobre o mito de Er, que personifica uma alma que já expiou seus devidos pecados e em seguida escolhe seu destino e dons (ou talentos) para com eles reencarnar, mas antes, banha-se no rio Lete, o rio do esquecimento, afim de aqui chegar como uma folha em branco.
Esta trouxa também pode ser entendida como as atitudes de amor ou desamor que tivemos em vida e constituem nossa única bagagem quando morremos, pois O Louco é a carta que tanto inicia quanto termina o Tarô, aparecendo em alguns como a carta de número 22 (2 – 2 = 0), numa clara alusão de que nascer é morrer e morrer é nascer.
O que mais chama a atenção é a liberdade que esta carta propõe. Será? Escolhemos nascer? Escolhemos morrer? Em que momento somos verdadeiramente livres? Fica no ar a questão.
A Força
Pelo inusitado da cena desta carta, a atenção é presa à moça que segura a boca do leão. Mais inusitado ainda é o título da carta com relação à cena: A Força. Força de quem, se a moça não exerce nenhuma força para dominar um animal tão poderoso quanto o Leão?
Se a figura da moça é a figura mais importante da lâmina, então a força a que se refere é a força da mulher sobre o animal, que seria o consciente (humano) dominando o inconsciente (animal), lugar onde nossas sombras habitam, ou ainda o domínio do mental sobre o físico, do racional sobre o irracional. Nos livros e artigos lê-se, “A Força representa o domínio do Ego”.
Definição de Ego, por Freud: “instância do aparelho psíquico que se constitui através de experiências do individuo e exerce, como principio de realidade, função de controle sobre o seu comportamento, sendo grande parte de seu funcionamento, inconsciente”. Confusão criada; para Freud quem domina os instintos é justamente o ego!? Entendo quando leio “domínio do ego” que o que se quer dizer é domínio do egocentrismo, da importância pessoal, da vaidade, da indiferença ou insensibilidade a tudo o que não seja si mesmo.
Neste caso há que se dominar o bestial em nós, coisa que é feita pelo ego e depois de fortalecer o ego, dominá-lo para que ele não se torne gigantesco e perigoso tirando-nos de um caminho mais espiritual, ótimo, mas quem na figura representa o ego então?
Como entendo que o tarô, assim como a astrologia receberam interpretações muito moralistas para poderem sobreviver nos negros tempos da imposição da fé católica a qual, inclusive, usou de toda a “força bestial” para aniquilar a sabedoria pagã e o feminino – sabedoria esta que pouquíssimo valor dá ao bem e ao mal, por entender que um não existe sem o outro neste mundo dual – proponho uma visão menos moralista ou idealizada desta carta.
Volto à figura da mulher que suave e docemente domina um leão impedindo-o de fechar a mandíbula e exercer seu poder natural, que é o de imperar no seu reino pela beleza, porte espetacular, incrível força muscular e pela capacidade de abocanhar com vigor sua presa.
A imagem desta lâmina me reporta ao hexagrama Nove do I Ching "O Poder de Domar do Pequeno", que diz: “o poder do pequeno, do sombrio, que retém, amansa, freia” e ainda, “sugere a capacidade de se
exercer influência pela doçura, pela susceptibilidade, pela submissão sincera do coração, e não da força. Na Imagem, quando o vento percorre os céus, o I Ching se remete ao ser superior que, através de uma firme disciplina interna, aperfeiçoa suas virtudes dominando as paixões pequenas”. A palavra domar vem de domus que significa casa como símbolo de família.
Existe um signo feminino, que exerce uma força descomunal sobre qualquer outra força, física ou intelectual. É o signo de Câncer que empresta seu significado à casa IV, o setor da instituição família.
O signo de Câncer é o quarto signo da roda zodiacal é o lugar do "sol da meia noite", a partir desta hora, ele passa do máximo da escuridão para o ressurgimento de sua luz no horizonte leste, aproximadamente seis horas depois. O quarto signo do zodíaco é o signo de total obscurecimento do sol.
O inicio do ano, para os egípcios, acontecia em julho, no solstício de verão, sob o signo de Câncer, que simbolizava o ponto da entrada da alma no corpo. Na Grécia antiga, havia uma corrente entre os astrólogos, que considerava Câncer e não Áries, o início do zodíaco. Entendiam que Câncer simbolizava a entrada do espírito no corpo. Por essa premissa, o Ascendente teria analogia com Câncer e não com Áries.
Câncer é um signo tipicamente feminino, regido pela Lua, planeta noturno, que governa os céus justamente quando o Sol desaparece.
A Lua na sua fase cheia era, para os antigos, o símbolo da Grande Mãe, a doadora da vida a portadora do útero onde a vida é gerada. Já em sua fase escura – nos três dias que antecedem e nos três que sucedem a Lua Nova – personificava a Mãe Terrível, aquela que suprime a vida. Assim como a casa IV, análoga ao signo de Câncer, significa o começo e o fim da vida.O Sol, por sua vez, rege o signo de Leão que na astrologia significa a expressão e criatividade do sujeito, atributos da casa V, análoga ao signo. É a casa V a significadora da marca pessoal que deixamos no mundo, da nossa individualidade. É neste setor que irradia-
mos o Sol pessoal. Esta casa é também o abrigo da libido, fonte do ludismo e do prazer. Outro hexagrama do I Ching se encaixa na figura desta carta; o de número Vinte e Um “Morder”. "Este hexagrama representa uma boca aberta com um obstáculo entre os dentes” e ainda, “Quando um obstáculo impede a união, o sucesso é obtido através de uma enérgica mordida. Isso é valido em todas as circunstâncias. Se a união não é consolidada isto se deve a alguém que cria intrigas, um traidor, alguém que arma obstáculos e interfere, freando o caminhar. É necessário então intervir de forma enérgica, para evitar danos permanentes”.
Esta carta, A Força, carta de número 11, poderia representar a força feminina da mãe que gera e pare o filho trazendo-o à luz, mas que também o domina e o impede de seguir seu caminho solar de indivíduo que possui brilho próprio. A independência do filho, para Câncer que personifica a geradora da vida é insuportável, posto que, significa perder sua função arquetípica.
A força que a mãe exerce para dominar (ou domar) o filho é a do "amor", da sedução, da doçura e bondade; sem dúvida um poder muito maior do que o da força bruta. Vemos aqui, a pior face do poder feminino. Quantos seres deixam de seguir o clamor de sua alma por causa da mãe e/ou da família?
Importante também dizer que a palavra animal deriva da mesma raiz que compõe a palavra alma, que é animi/animo.
A necessidade de afirmação como indivíduo neste mundo é atributo de Leão e da casa V é, portanto, a meta a perseguir e perseguir uma meta significa buscar algo que falta. Leão, como o Sol, necessita ser o centro, adora e precisa de elogios, de aprovação, quer ver seus feitos admirados e reconhecidos; esta é sua fragilidade, que se for “bem suprida” pela “mamãe” (leia-se, pela instituição família), pode facilmente apagar o brilho solar que tanto busca, pois acaba contentando-se em brilhar no ambiente doméstico, em ser o reizinho da casa. Conhecemos leoninos assim, não?
Se conseguirmos deixar um pouco de lado a visão “cristã” idealizada desta figura e considerar que as paixões que “precisam ser controladas” são justamente as que nos sustentam, que nos fazem sentir vivos, animados, entusiasmados, envolvidos, apaixonados, brilhantes, realizados, enfim... Livres, poderemos interpretar esta carta da seguinte maneira:
A força que dá a vida pode exercer domínio prendendo-a a si. Por sua vez é também uma força necessária à força que se deve ter para verdadeiramente nascer, tornar-se indivíduo, viver o Sol pessoal, trilhar o caminho do herói, tornar-se vitorioso e aí sim, orgulhoso dos próprios feitos. É preciso muitas vezes dar uma de Louco.
O Onze. No significado místico, diz Rábano Mauro: “O número onze é figura da transgressão da lei e também dos pecadores, tal como mostra o salmo 11 (cujo número de per si já é símbolo) quando diz: "Salvai-me Senhor, pois desaparecem os homens santos". Agostinho dizia ser o 11 o “brasão do pecado”.
Do Dicionário de Símbolos extraí este pequeno parágrafo: “De um modo geral, este numero é o da iniciativa individual, mas quando esta se exerce sem levar em conta a harmonia cósmica, tendo, por conseguinte, um aspecto, sobretudo desfavorável.
Este carater é confirmado pelo procedimento da adição teosófica que ao calcular o total dos dois algarismos que o compõem, obtém por resltado o 2, isto é, o número nefasto da luta e da oposição. Onze seria então o simbolo da luta interior, da dissonância, da rebelião, do extravio... da transgressão da lei... do pecado humano... da revolta dos anjos” (sic).
In Dicionário de Símbolos – Jean Chevalier e Alain Gheerbrant – Ed. José Olympio. Recomendo a leitura de todo o texto, que fala também do 11 estar relacionado aos mistérios da fecundidade; fala da criança divina, do transbordamento; enfim de muitas das observações de todo o texto.
Novamente proponho lermos estas definições pensando em quanto a liberdade daquele que é movido pela realização das próprias paixões e que não se submete a um sistema que a todos precisa igualar para poder melhor controlar, é vítima de mau julgamento.
Conclusão
Se o Louco a carta de número 0 (zero) mostra um salto no precipício como símbolo do ato de nascer, de entrar em um mundo desconhecido, com os perigos e riscos que a vida oferece, um nascimento não opcional, já que imposto pela biologia e pelo destino; na Força, vemos um nascimento como opção, mas não menos vital nem menos arriscado, pois escolher o conforto dos braços maternos e familiares vai significar um morrer para os talentos e paixões (a trouxa do Louco) que alimentam e como um sol, iluminam e animam a nossa existência. O elemento de composição da palavra força é fort, que participa da palavra forte e também de conforto. Pode-se escolher.
A colocação desta carta na ordem das cartas do tarô também é muito significativa e me convidou a pensar na seguinte relação:
O Tarô começa pelo número 0 O Louco, significando o nascimento biológico, à partir dele o Ser entra em contato com a Experiência, representada pelos nove primeiros Arcanos, vem então A Roda da Fortuna e o remete a um novo começo, o 11, A Força, representando o nascimento (ou morte) por opção ( 1-1=0).
Os próximos nove Arcanos representam as provas do Caminho do Herói culminando com O Mundo, que talvez não por acaso, como a Roda da Fortuna, também é representado por um círculo - no caso uma oval - fechando o ciclo de uma encarnação e indo novamente para O Louco, agora de número 22. Também 11+11=22 e 2-2=0.
Do zero ao 22, será que o Louco não faz um estágio no 11?
"Os vossos corações conhecem,no silêncio,os segredos dos dias e das noites.Mas os vossos ouvidos têm sede de ouvir finalmente o eco do saber dos vossos corações. Gostaríeis de saber pelo verbo o que sempre soubeste pelo pensamento.Gostaríeis de sentir com os dedos o corpo nu dos vossos sonhos.E está certo que assim o queirais. A fonte oculta da vossa alma deve necessariamente jorrar e correr a murmurar para o mar;e o tesouro das vossas profundezas infinitas revelar-se aos vossos olhos..."Gibran