quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A Mulher Sábia

A Pedra da Luz
Christian Jacq


A mulher sábia e Clara subiram até o cume da montanha enquanto a noite morria e as serpentes voltavam às suas covas. A mulher centenária deixara a bengala de lado no começo da subida e continuava a andar num passo regular.

O nascimento da aurora era acompanhado por um vento suave e, pouco a pouco,os templos de milhões de anos saiam das trevas.Logo, o azul do Nilo e o verde das terras cultivadas cintilariam sob os raios do sol ressuscitado. .Quando o pico se iluminou, a mulher sábia elevou as mãos na direção dele,num gesto de oração.

- Deusa do Silencio, você que me guiou ao longo de toda a vida, guie minha discípula que sobe na sua direção. Que ela repouse na Sua mão de noite e de dia; atenda-a quando ela chamar por você, seja generosa e mostre-lhe a extensão de Seu poder.

No pico escavado na pirâmide, havia um pequeno santuário.

- Faça uma oferenda.- ordenou a mulher sábia.

Clara pôs no chão a flor de lótus do cabelo,seu colar e as pulseiras.

- Prepare-se para o combate supremo. A Deusa que conhece os segredos, concede a vida e a morte.

De repente surgiu da gruta uma naja real de olhos de fogo,deixando a jovem assustada com o seu tamanho. A raiva inchava-lhe o pescoço e ela estava pronta para atacar.

- Dance Clara, dance como a Deusa.

Morta de medo, a esposa de Nefer, o silencioso, conseguiu acompanhar os movimentos do réptil assustador. Inclinava-se da esquerda para a direita, depois da direita para esquerda, de frente para trás,no mesmo ritmo que a naja,que parecia desapontada.

- Quando ela atacar, curve-se bem na minha direção, sem deixar de olha-la.

Clara venceu o medo.Fascinada pela beleza da Deusa, começava a perceber Suas intenções.Quando a naja se lançou bruscamente na direção de sua garganta , a sacerdotisa de Hathor seguiu as instruções da mulher sábia.
Clara evitara a mordida, mas sua túnica estava maculada com o veneno cuspido pela naja, ainda mais furiosa por causa do fracasso.

- Dois ataques ainda. – preveniu a iniciadora.

O réptil não parava de ondear e Clara imitava-o. Por duas vezes a cobra tentou, em vão, fincar as presas na moça.

- Agora domine-a! Beije- a na cabeça.

Como se estivesse esgotada a naja mexia-se com menos vigor.E quase imperceptivelmente, recuou quando Clara avançou em sua direção.

Embora invadida por grande ansiedade, Clara ficou o olhar nos olhos do réptil e pôs os lábios no alto da cabeça do animal.

Surpresa a serpente ficou quieta.

-Tememos a Sua severidade- disse-lhe a mulher sábia- mas esperamos a Sua docilidade. Esta que a venera é digna da Sua confiança. Abra-lhe a mente e permita-lhe curar os seres em Seu nome.

A serpente ondeava devagar.

-Recolha o poder da Deusa, Clara. Que Ela penetre o seu coração.

Pela segunda vez a esposa de Nefer beijou o monstro, que parecia dócil.

- Que a comunhão de vocês seja selada por um terceiro e ultimo beijo.

Pela ultima vez, a mulher e a naja tiveram um contato intimo.

- Saia rápido! Ordenou a mulher sábia.

Se não estivesse atenta , Clara tria sido surpreendida pelo brusco ataque do réptil. Mas soube esquivar-se e só recebeu um ultimo jato de veneno.

- O fogo secreto foi-lhe transmitido- sentenciou a mulher sábia.

Lentamente a naja voltou ao santuário.

- Tire a túnica e purifique- se com o orvalho das pedras do cimo.

A mulher sabia deu a Clara uma túnica branca que lhe teria servido de mortalha se não saísse vitoriosa da prova.

-Vou-me embora e você será minha sucessora. Não, não proteste! Meu tempo de vida foi longo, muito longo, e é bom que ele termine. Lembre-se que as plantas nasceram das lagrimas e do sangue dos deuses e, por isso, elas têm o poder de curar.Você está viva mas existem almas errantes e demônios destruidores que jamais deixarão a paz se instalar nessa terra. Graças à sua ciência , você sempre lutará contra eles. Deus criou tudo o que está em cima e o que está embaixo e ele vira até você como um sopro de luz. Não tem de acreditar nele e sim conhecê-lo e testá-lo.

- Por que se recusa a viver por mais tempo?

- Meu centésimo décimo ano está terminado. Mesmo que minha mente esteja intacta , o corpo está gasto. Os canais estão endurecidos , a energia já não circula mais e nem a melhor medicina poderá devolver-me a juventude.(...)

- Tenho tantas perguntas a fazer!

- Chegou a hora de dar as respostas.Todos os dias será interrogada e exigirão que alivie os sofrimentos. Agora você é a mãe da confraria e todos os moradores do povoado são seus filhos.

A jovem teve vontade de protestar e de recusar a enorme carga que recaia sobre seus ombros, mas a forte claridade da manhã a deixou muda.

- Desçamos- ela exigiu. – Vá na frente.

Clara pegou a estreita trilha, sem saber que passo tomaria.Deveria andar no seu ritmo, ou caminhar lentamente para não obrigar a mulher centenária a se apressar?

Indecisa ela se virou depois da primeira passagem sinuosa. A mulher sábia desaparecera.
Clara voltou ao cume, procurou por aquela que lhe dera tudo, mas não a achou.A mulher sábia evaporara, com certeza ocultando-se em alguma caverna onde daria o ultimo suspiro, no silencio da montanha.
Clara ficou em silêncio pensando nas horas maravilhosas que passara ao lado do ser que lhe abrira tantos caminhos , que agora continuaria a percorrer sozinha. Ela desceu lentamente na direção do povoado, saboreando seus últimos momentos de calma antes de se tornar a mulher sabia do Lugar da Verdade.

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